sábado, 6 de junho de 2009

O que vem por aí?

Abaixo, trechos de um artigo de Paulo Arantes, publicado em 2005:

[...] como registrou [o sociólogo alemão Alexander Schuller], “desde a queda do socialismo, é possível verificar um aumento empírico da crueldade; por toda parte impera uma maldade incompreensível”. Não se trata, portanto, de constatar trivialmente que a derrota do campo comunista empurrou o mundo ainda mais para a direita, mas de esfregar bem os olhos e admitir que a extirpação de um organismo gangrenado pode simplesmente inaugurar um novo ciclo degenerativo.
[...]
Como no resto do mundo depois da queda, juntos, os vencedores de sempre e os arrivistas da velha esquerda estão livres de novo para odiar, assim mesmo, intransitivamente, ainda que o alvo do paradoxal ressentimento dos dominadores seja a costumeira massa dos espoliados.
O sinal de alarme soou com o ato falho de um cacique da velha direita boçal, referindo-se à esquerda como uma “raça” da qual o país se veria enfim livre por uma geração. Um estudioso do passado tenebroso dos homens de mando neste país, o historiador Luiz Felipe de Alencastro, foi dos primeiros a antever a onda reacionária que esse desrecalque do preconceito de classe, temporariamente amortecido pela eleição de um ex-retirante e metalúrgico para a Presidência da República, prenuncia. Vem por aí uma explosão de raiva antipovo, raiva de pobre, raiva de negro, raiva de trabalhador. [Ver Entrevista de L.F. de Alencastro (Folha, 2005).]
[...]
[...] O referendo sobre o comércio de armas, por exemplo, [...] foi encorpando conforme se adensava no horizonte o novo clima punitivo. O que se viu foi a "população honesta" marchando em defesa da sociedade dos homens bons ou coisa pior, porém dividida quanto a saber se seria preferível se armar contra os pobres-bandidos ou desarmar os bandidos-pobres. Com receio do cidadão a seu lado, de cor escura e malvestido, o classe média, alvo do medo administrado, logo se juntará ao primeiro bando musculoso que passar ao ato.
[...] tal como em 1964, justamente os donos de sempre do poder estão novamente livres para odiar [...].
Paulo Arantes, “O que vem por aí?” (novembro de 2005)

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