quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Depois da dialética?

Livro (em inglês) de Göran Therborn - From Marxism to Post-Marxism? (2008) [pdf].
O livro fornece pontos de referência básicos para a crítica marxista hoje. Compõe-se de três ensaios: (1) Into the Twenty-first Century, que aponta algumas questões centrais da política atual; (2) Twentieth-Century Marxism and the Dialectics of Modernity, que apresenta um panorama da Teoria Crítica e do Marxismo Ocidental; e (3) After Dialectics, que faz um mapeamento da teoria social de esquerda contemporânea (o último ensaio, "Depois da dialética", já foi publicado em português na revista Margem Esquerda).

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Textos antigos do CEBRAP

Livros de antigos membros do CEBRAP [pdf]:

Fernando Novais - Estrutura e Dinâmica do Antigo Sistema Colonial (Cadernos Cebrap 17)

Bóris Fausto - Pequenos Ensaios de História da República (Cadernos Cebrap 10)

José Arthur Giannotti - Exercícios de Filosofia (1977) inclui o ensaio "Contra Althusser"

Francisco de Oliveira - A Economia Brasileira: Crítica à Razão Dualista (Estudos Cebrap 2)

José Arthur Giannotti - Trabalho e Reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade (1983)

domingo, 27 de setembro de 2009

Entrevista de Franco Moretti

Aventuras modernas

Coletânea de ensaios sobre o romance, organizada por Franco Moretti, é lançada no Brasil

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

A obra de maior ambição do italiano Franco Moretti, professor de literatura na Universidade Stanford, nos EUA, ele próprio um dos mais ambiciosos e ousados críticos literários em atividade, começa a ser editada no Brasil.
O primeiro dos cinco volumes de "O Romance" ("A Cultura do Romance", ed. Cosac Naify, trad. Denise Bottmann, 1.120 páginas, R$ 130) chega às livrarias. Moretti é o organizador dessa coletânea de ensaios de especialistas de vários países -nomes como Fredric Jameson, Umberto Eco, Mario Vargas Llosa, Beatriz Sarlo e Roberto Schwarz, entre outros- que se debruçam sobre a história, em todas as partes do globo, do gênero literário que dá nome à empreitada.
Na entrevista a seguir, ele fala sobre a versão ocidental do romance, seu momento de ascensão e definição formal no século 18 e a tarefa do gênero de apresentar "soluções imaginárias para as contradições reais" e irreconciliáveis da modernidade.

FOLHA - Em um artigo recente, o sr. diz que algumas características do gênero romance, no Ocidente, têm a ver com o padrão de consumo específico que passou a marcar essas sociedades a partir do século 18. Poderia explicar?
FRANCO MORETTI -
No século 18 houve certamente um aumento significativo do consumo de "luxos cotidianos", como tecidos, relógios, móveis, café etc. Também houve um aumento no consumo de livros, e de romances. Geralmente os historiadores literários buscam uma explicação para esse aumento de vendas de livros na própria estrutura dos romances -que seriam mais bem escritos, mais realistas, mais interessantes para os leitores, e por aí vai.
Procurei uma explicação alternativa para o fato de, de repente, os romances venderem mais. Defendi que a razão deve ser semelhante àquela que levou, no mesmo período, a uma produção e a um consumo maior de relógios, por exemplo.
Um desenvolvimento geral de bem-estar material e de riqueza, provocando um modo diferente de se relacionar com os romances, que passam a ser objeto de um tipo de leitura mais distraída.

FOLHA - O sr. compara o crescimento no número de pessoas capazes de ler, que teria dobrado, e o crescimento na venda ou no aluguel de romances, que teria aumentado de forma muito maior...
MORETTI -
Sim, isso indica que as pessoas estavam lendo um número maior de obras, e que essa leitura era feita de uma outra maneira; elas as liam de forma mais desatenta.

FOLHA - E isso implica uma nova forma estética para o romance?
MORETTI -
Sim. Que relação exata há entre uma coisa e outra, tenho dúvidas se saberia dizer. De todo modo, os romances passaram a ter que ser escritos de forma a capturar esse novo tipo de atenção. Por outro lado, isso não determina um tipo específico de estilo ou de trama. O que se percebe é que os romances não são tomados como uma arte séria, como passaram a ser bem mais tarde, já no século 20.

FOLHA - O sr. faz um contraste com a China na mesma época.
MORETTI -
Sim, na China os romances tinham uma estrutura narrativa e estética muito mais complexa, e isso impossibilitava o tipo de leitura "desatenta" que se tornou tão importante no Ocidente.

FOLHA - O sr. chama a atenção para o fato de muitos romances serem, no fundo, uma história de aventura. Alguém vai para algum lugar novo, inexplorado, tentar algo que não havia sido feito antes etc. E diz que isso termina sendo, de certa forma, uma característica "arcaica" do romance, já que o protótipo dessas aventuras seria o cavaleiro medieval. Qual é a razão, a seu ver, da força desse arcaísmo?
MORETTI -
A maioria dos gêneros mais populares dos últimos 200 anos é uma variação da história de aventura. Isso vale para a ficção científica, para as histórias de detetive etc. Isso parece ser um fato. Mas como se deu isso? Havia, primeiro, um enorme reservatório de histórias desse tipo, que foram escritas ao longo de séculos e reutilizadas nos romances.
Mas a verdadeira questão é: por que essas antigas histórias permaneceram tão vivas, tão importantes na modernidade? Provavelmente a resposta é parecida com aquela que podemos dar a outras questões próprias à modernidade, como, por exemplo: por que o poder patriarcal se manteve tão forte sob o capitalismo, na sociedade burguesa?
O capitalismo -e a modernidade- sempre fez uso, adaptou ou cooptou formas preexistentes de poder simbólico ou real. Isso vale com a monarquia, com o patriarcalismo, com a escravidão. Penso que algo semelhante ocorreu no imaginário ocidental com as histórias de aventura e o romance. Antigas alianças desaparecem muito lentamente, se de fato chegam a desaparecer.

FOLHA - O sr. diz que o próprio fato de a trama aventuresca ser arcaica serve a um propósito...
MORETTI -
Ela recebe uma função a cumprir. Especialmente na representação da guerra, creio, que é um aspecto fundamental do imaginário de aventura e do capitalismo. O que acontece quando a sociedade capitalista moderna tem que ir à guerra? Ela tem que ter uma cultura da guerra, e o capitalismo moderno, enquanto tal, não dispõe dessa cultura específica. Ele a herdou de outras formações sociais. A aventura é uma realização simbólica, idealizada da guerra.
Então, a razão pela qual temos aventura no romance moderno é a mesma por que temos guerras no capitalismo. Sempre se disse que o comércio substituiria a guerra, e que, em vez de nos matarmos uns aos outros, trocaríamos produtos. Isso, claro, nunca aconteceu.

FOLHA - Por falar em guerra, em um outro livro, o sr. diz que o romance cumpre a função de nos consolar com compromissos, ajustes possíveis, em meio a uma época de conflitos incessantes e inevitáveis. Como a ideia de aventura se reconcilia com essa, de "consolo"?
MORETTI -
Ainda penso na literatura como uma forma de "compromisso", de ajuste simbólico possível, de "solução" para os conflitos de uma época. Creio que, de fato, os romances permitem às pessoas se sentirem menos desconfortáveis em meio a esses seus conflitos.
Há esta fórmula de Lévi-Strauss para os mitos: soluções imaginárias para contradições reais. Creio que isso explica o que acontece com os romances e o modo como, ao longo do tempo, algumas obras são selecionadas pelos leitores em detrimento de outras. Há contradições (sociais, econômicas) que são mais importantes e soluções (nas obras) que parecem mais plausíveis.
O romance policial, por exemplo, tem muito a ver com o antigo mundo de aventura -há o desconhecido, há ganância, mistérios-, mas a estrutura é reapresentada de forma completamente racionalizada. É um gênero de um mundo de físicos, químicos, advogados, do século 19, da época vitoriana. É claramente um compromisso, um ajuste entre a antiga lógica das histórias de aventura e a nova lógica de um mundo racional e cientificista.

***
Moretti busca fazer história mundial da literatura

Utilizando trabalhos como o de Roberto Schwarz, autor alia estilo, humor e análise rigorosa

LUÍS AUGUSTO FISCHER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não faz muito que o nome de Franco Moretti passou a ocupar algum espaço no debate literário no Brasil -o artigo que primeiro o colocou em evidência entre nós saiu em 2001, sob o título vasto e vago de "Conjecturas Sobre a Literatura Mundial" (em "Contracorrente", organizado por Emir Sader, editora Record).
Mas o texto revelou logo o tamanho da briga que este italiano, especialista em romance inglês, comprava: nem mais, nem menos, estava repassando criticamente as principais alternativas concebidas até hoje na direção de uma história mundial da literatura. Nada óbvio, nada fácil.
Ele se sai otimamente bem da empreitada. Não porque tenha qualquer ilusão de esgotar o assunto nos termos acadêmicos em que ele se apresenta -seja na forma das já velhas histórias nacionais (tantas vezes nacionalistas) de literatura, seja na moda da literatura comparada (tantas vezes um simples rebaixamento do problema)-, justo pelo contrário.
Arguindo a noção de que estudar literatura implica mergulhar profundamente em muito poucos livros, os canônicos, Moretti propõe uma perspectiva darwinista, isto é, materialista e empirista, animada pela tradição marxista, mas longe da variante adorniana.

Caso raro
Em sua mão, o que vai falar é um objeto muito mais vasto, que se compõe virtualmente da totalidade dos livros escritos, em qualquer parte. Vale conferir o quanto isso rende em seu primeiro livro traduzido aqui, o "Atlas do Romance Europeu" (Boitempo).
O que torna sua análise possível são duas restrições. Primeira: ele se ocupa do romance, e não de toda a literatura. Como se sabe, o romance é uma forma relativamente fácil de discernir em qualquer paisagem, em qualquer idioma, por variadas que sejam suas encarnações concretas.
Segunda: sem ilusões de poder ler todos os romances do mundo, nem mesmo os de um só país de cultura letrada sólida, ele se serve de leituras já feitas, de estudos que tenham já detectado modos particulares de ser do romance naquele contexto -daí, por exemplo, a centralidade que em sua teoria ocupa a figura de Roberto Schwarz, que estudou minuciosa e proficientemente a forma do romance brasileiro do século 19, entre [José de] Alencar e Machado de Assis.
Daqui se segue que o âmbito de trabalho morettiano é um caso raro na área, porque permite compartilhamento de tarefas e cumulatividade de trabalhos, como se fossem os estudos literários um ramo de ciência da natureza.
"A Literatura Vista de Longe": esse é o nome de um de seus grandes livros (edição brasileira: Arquipélago) e uma designação abreviada de seu método. Trata-se de olhar em perspectiva, a ponto de poder discernir os grandes veios, as tendências, os caminhos que o romance tomou.
Não quer estudar estrutura narrativa em abstrato; sua batalha é com a empiria que estrutura os romances. Cidade, campo, a rua, a divisão das classes pelo espaço, proximidade ou distância, essas variáveis geográficas são convocadas em paralelo com o desenho dos enredos, com o perfil das personagens, com o destino dos heróis.
Tudo isso vem com um acréscimo nada desprezível: Moretti escreve com um estilo marcante e eficaz, composto de muitos dados, confissões do pesquisador e um bom humor desconcertante, mas sempre orientado pela eficácia argumentativa. E nada disso impede que levante voos interpretativos, em que formula hipóteses de imenso valor analítico, em contraste com a relativa frivolidade da área, como se lê em "Signos e Estilos da Modernidade" (Civilização Brasileira).


LUÍS AUGUSTO FISCHER é crítico literário, professor de literatura na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autor de "Machado e Borges" (ed. Arquipélago), entre outros livros.

Fonte: FSP, 27/09/09.

sábado, 26 de setembro de 2009

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Sobre Gilda de Mello e Souza


Ensaios sobre Gilda de Mello e Souza:

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Os seis minutos mais belos da História do cinema (segundo Agamben)


Sancho Pança entra num cinema de uma cidade do interior. Está procurando Dom Quixote e o encontra sentado isolado, fixando o telão. A sala está quase cheia; a galeria - uma espécie de "galinheiro" - está totalmente ocupada por crianças barulhentas. Após algumas inúteis tentativas de chegar a Dom Quixote, Sancho senta-se de má vontade na plateia, ao lado de uma menina (Dulcineia?), que lhe oferece um lambe-lambe. A projeção começou: é um filme de época; sobre o telão correm cavaleiros armados, e num certo momento aparece uma mulher em perigo. De repente, Dom Quixote se ergue em pé, desembainha a sua espada, se precipita contra o telão e os seus golpes começam a cortar o tecido. No telão aparecem ainda a mulher e os cavaleiros, mas o corte preto aberto pela espada de Dom Quixote se alarga cada vez mais, devorando implacavelmente as imagens. No final, quase nada sobra do telão, vendo-se apenas a estrutura de madeira que o sustentava. O público indignado abandona a sala, mas no "galinheiro" as crianças não param de encorajar fanaticamente Dom Quixote. Só a menina na plateia o fixa com reprovação.

O que devemos fazer com nossas imaginações? Amá-las, acreditar nelas a ponto de as devermos destruir, falsificar (este é, talvez, o sentido do cinema de Orson Welles). Mas quando no final se revelam vazias, insatisfeitas, quando mostram o nada de que são feitas, só então (importa) descontar o preço da sua verdade, compreender que Dulcineia - que salvamos - não pode nos amar.

-- Giorgio Agamben, Profanações.

Profanaciones (em espanhol) [pdf, no 4shared]


domingo, 20 de setembro de 2009

Livros de e sobre Žižek


Livros (em inglês) de Slavoj Žižek:
Livro (em inglês) sobre Žižek:
Mais informções, livros e vídeos de Žižek podem ser encontrados no blog Mariborchan.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Livros de Sartre


Livros de Jean-Paul Sartre (em francês e em inglês):

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A Hipótese Comunista

A Hipótese Comunista

SLAVOJ ZIZEK

Em contraste com a imagem clássica dos proletários que não têm "nada a perder além dos seus grilhões", o que nos une é o perigo de perdermos tudo: nosso meio ambiente, nosso patrimônio genético e a possibilidade de nos comunicarmos livremente

Em um magnífico texto curto, "Notas de um Publicista" - escrito em fevereiro de 1922, quando os bolcheviques, depois de, contra todas as expectativas, vencerem a guerra civil, precisaram recuar, adotaram a Nova Política Econômica e admitiram uma liberdade de ação muito mais ampla para a economia de mercado e a propriedade privada -, Lênin usa a analogia de um alpinista obrigado a retroceder em sua primeira tentativa de chegar a um novo pico para descrever o que significa o recuo num processo revolucionário, e como pode ser levado a cabo sem, oportunisticamente, trair a causa:

Imaginemos um homem que escala uma montanha muito alta, íngreme e até então inexplorada. Vamos supor que ultrapassou dificuldades e perigos inéditos, conseguindo atingir um ponto muito mais alto que qualquer um dos seus antecessores, mas que ainda não chegou ao cume. Ele se vê numa posição em que não é só difícil e perigoso prosseguir, na direção e pelo trajeto que escolheu, mas positivamente impossível.

Seria mais que natural, para um alpinista nessa posição, escreve Lênin, passar por "momentos de desânimo". E o mais provável é que esses momentos se tornassem mais frequentes e difíceis caso ele pudesse escutar as vozes dos que se encontram ao pé da montanha, e "por um telescópio, a uma distância segura, acompanham sua perigosa descida":

As vozes que vêm de baixo ressoam com alegria maldosa. Nem se preocupam em ocultá-la, riem com gosto e exclamam: "Ele vai cair de uma hora para outra! E é bem-feito para esse lunático!"

Felizmente, prossegue Lênin, nosso excursionista imaginário não tem como escutar as vozes dessas pessoas. Se ouvisse, "é provável que o deixassem nauseado, e a náusea, dizem, não ajuda ninguém a manter a lucidez mental e os pés firmes, especialmente em altitudes elevadas".

Mais adiante, Lênin aborda a situação que a recém-nascida República soviética enfrentava naquele momento:

O proletariado da Rússia atingiu uma altitude gigantesca em sua revolução, não só em comparação com 1789 [tomada da Bastilha] e 1793 [execução de Luis xvi, proclamação da República e Terror], mas também com 1871 [Comuna de Paris]. Precisamos avaliar o que fizemos e deixamos de fazer, da maneira mais desapaixonada, clara e concreta possível. Se o fizermos, conseguiremos conservar a lucidez. Não sofreremos de náusea, ilusões ou desânimo.

E conclui:

Estão perdidos os comunistas que imaginam ser possível levar a cabo uma tarefa tão memorável quanto a construção das fundações da economia socialista (especialmente num país de pequenos camponeses) sem cometer erros, sem recuos, sem numerosas alterações do que ficou incompleto ou foi feito da maneira errada. Os comunistas que não têm ilusões, que não se entregam ao desânimo e preservam sua força e flexibilidade para "começar do começo" repetidas vezes, para dar conta de uma tarefa extremamente difícil, não estão perdidos (e muito provavelmente não haverão de perecer).

Eis Lênin no que melhor tem de beckettiano, prefigurando a frase de Worstward Ho [Rumo ao Pior]: "Tente de novo. Fracasse de novo. Fracasse melhor." Sua conclusão - começar do começo - deixa claro que não está falando de simplesmente reduzir a velocidade e consolidar o que foi realizado, mas de descer todo o caminho de volta até o ponto de partida: deve-se começar do começo, não do ponto alcançado na tentativa anterior. Nas palavras de Kierkegaard, um processo revolucionário não é um progresso gradual, mas um movimento repetitivo, um movimento de repetir o começo e voltar a repeti-lo muitas vezes.

Onde nos encontramos hoje, depois do désastre obscur de 1989? Como em 1922, as vozes que vêm de baixo ressoam à nossa volta com alegria maldosa: "Bem-feito para esses lunáticos que tentaram impor sua visão totalitária à sociedade!" Outros tentam ocultar seu regozijo maldoso, gemem e erguem para o céu os olhos cheios de dor, como se dissessem: "Como nos faz sofrer ver nossos medos justificados! Como era nobre sua visão de criar uma sociedade justa! Nosso coração batia em uníssono com o seu, mas a razão insistia em nos dizer que seus planos só podiam acabar em miséria e em novas restrições à liberdade!" Ao mesmo tempo em que recusamos qualquer acordo com essas vozes sedutoras, precisamos definitivamente começar do começo - não para continuar a construir com base nas fundações da era revolucionária do século xx, que durou de 1917 a 1989, ou, mais precisamente, 1968 - mas descer de volta até o ponto de partida e escolher outro caminho.

Mas como? O problema definidor do marxismo ocidental tem sido a ausência de um sujeito revolucionário: como é que a classe trabalhadora não completa a sua passagem de classe em si a classe para si e não se constitui como agente revolucionário? Foi essa pergunta que forneceu a principal raison d'être para que o marxismo ocidental recorresse à psicanálise - evocada para explicar os mecanismos libidinais inconscientes que impedem o surgimento de uma consciência de classe, e que estão inscritos no próprio ser, ou na situação social, da classe trabalhadora.

Dessa maneira, a verdade da análise socioeconômica do marxismo foi posta a salvo: não havia razão para ceder terreno a teorias revisionistas envolvendo a ascensão das classes médias. Por esse mesmo motivo, o marxismo ocidental envolveu-se também na procura constante de outros, que pudessem desempenhar o papel de agente revolucionário, como um ator substituto que está a postos para ocupar o lugar da classe trabalhadora indisposta: os camponeses do Terceiro Mundo, os estudantes e intelectuais, os excluídos.

É possível, também, que essa busca desesperada pelo agente revolucionário seja a forma assumida pelo seu oposto exato: o medo de encontrá-lo, de reconhecê-lo onde ele já se agita. Esperar que outro trabalhe no nosso lugar é uma forma de racionalizar a nossa inatividade.

É contra esse pano de fundo que Alain Badiou sugeriu a reafirmação da hipótese comunista [leia na piauí-_23]. Ele escreve:

Se precisarmos abandonar essa hipótese, então não valerá mais a pena fazer nada no campo da ação coletiva. Sem o horizonte do comunismo, sem essa Idéia, nada no devir histórico e político tem qualquer interesse para um filósofo.

No entanto, prossegue Badiou:

Aferrar-se à Idéia, à existência da hipótese, não significa que sua primeira forma de apresentação, tendo como foco a propriedade e o Estado, precise permanecer inalterada. Na verdade, o que cabe a nós filósofos como tarefa, e até mesmo obrigação, é ajudar no surgimento de uma nova modalidade de existência da hipótese comunista.

É preciso tomar cuidado para não ler essas linhas à maneira kantiana, concebendo o comunismo como uma Idéia reguladora, e ressuscitando assim o espectro do "socialismo ético", que tem a igualdade como sua norma ou a priori. Em vez disso, é preciso observar a referência precisa a um conjunto de antagonismos sociais que gera a necessidade do comunismo: a boa e velha idéia marxista do comunismo não como um ideal, mas como um movimento que reage a contradições reais.

Tratar o comunismo como Idéia eterna implica que a situação que o gera não é menos eterna, e que o antagonismo ao qual o comunismo reage sempre estará presente. E a partir daí estaremos a um passo apenas de uma análise desconstrutiva do comunismo como um sonho de presença, um sonho que se alimenta da sua própria impossibilidade.

Embora seja fácil rir da idéia de Francis Fukuyama do "fim da História", hoje a maioria é fukuyamista. O capitalismo liberal-democrata é aceito como a fórmula finalmente encontrada da melhor sociedade possível. Tudo que se pode fazer é torná-lo mais justo, tolerante e por aí afora. E uma pergunta simples, mas pertinente, surge aqui: se o capitalismo liberal-democrata é, senão a melhor, mas a menos pior das formas de sociedade, por que não simplesmente resignar-nos a ele de um modo maduro, ou mesmo aceitá-lo sem restrições? Por que insistir, contra ventos e marés, na hipótese comunista?

Não basta permanecer fiel à hipótese comunista: é preciso localizar na realidade histórica antagonismos que transformem o comunismo numa urgência de ordem prática. A única questão verdadeira dos dias de hoje é a seguinte: será que o capitalismo global contém antagonismos suficientemente fortes para impedir a sua reprodução infinita?

Quatro antagonismos possíveis se apresentam: a ameaça premente de catástrofe ecológica; a inadequação da propriedade privada para a chamada propriedade intelectual; as implicações socioéticas dos novos desenvolvimentos tecnocientíficos, especialmente no campo da engenharia genética; e por último, mas não de importância menor, as novas formas de segregação social - os novos muros e favelas. Devemos notar que existe uma diferença qualitativa entre o último, o abismo que separa os excluídos dos incluídos, e os outros três, que se referem aos domínios do que Michael Hardt e Antonio Negri chamam de commons [aquilo que é comum a todos, que é público] - a substância compartilhada do nosso ser social, cuja privatização é um ato violento ao qual se deve resistir, se necessário, pela força.

Primeiro, existem os commons da cultura, as formas imediatamente socializadas do capital cognitivo: basicamente a linguagem, nosso meio de comunicação e educação, mas também a infraestrutura compartilhada, como os transportes públicos, a eletricidade, os correios etc. Se Bill Gates conseguisse o monopólio, teríamos chegado à situação absurda em que um determinado indivíduo deteria a propriedade privada do software que constitui a trama da nossa rede básica de comunicação.

Segundo, existem os commons da natureza exterior, ameaçada pela poluição e a exploração - do petróleo às florestas, e passando pelo próprio habitat natural.

Em terceiro, os commons da natureza interior, o patrimônio biogenético da humanidade.

O que todas essas lutas têm em comum é a consciência do potencial destruidor - ao ponto da autoaniquilação da própria humanidade - se a lógica capitalista levar à apropriação desses commons. E é isso que favorece a ressurreição da noção de comunismo: ela nos permite ver a apropriação paulatina dos commons como um processo de proletarização no qual os excluídos perdem a sua própria substância; um processo que é mais uma forma de espoliação. A tarefa, hoje, é renovar a economia política da espoliação - por exemplo, a espoliação dos anônimos "trabalhadores do conhecimento" pelas empresas nas quais trabalham.

Contudo, é apenas o quarto antagonismo, o dos excluídos, que justifica o termo comunismo. Não existe nada mais privado do que uma comunidade estatal que perceba os excluídos como uma ameaça, e se preocupe em mantê-los à devida distância. Noutras palavras, nessa série de quatro antagonismos, o crucial é o que se dá entre os incluídos e os excluídos: sem ele, todos os demais perdem o gume subversivo. A ecologia se transforma num problema de desenvolvimento sustentável; a propriedade intelectual, num complexo desafio para as leis; a engenharia genética, numa questão de ordem moral.

Pode-se lutar com sinceridade pelo meio ambiente, defender uma noção mais ampla de propriedade intelectual, ou se opor ao patenteamento de genes, sem confrontar o antagonismo entre incluídos e excluídos. Mais ainda: algumas dessas lutas podem ser formuladas em termos dos incluídos ameaçados pela poluição dos excluídos. Dessa maneira, não alcançamos uma autêntica universalidade, mas só interesses "privados" no sentido kantiano.

Empresas como a Whole Foods ou a Starbucks continuam a usufruir de boa reputação entre os liberais, embora ambas combatam os sindicatos. O segredo delas é a venda de produtos com certo matiz progressista: grãos de café comprados a preços compatíveis com o "comércio ético, justo e solidário", o uso de dispendiosos veículos híbridos etc. Em suma, sem o antagonismo entre os incluídos e os excluídos, podemos nos encontrar num mundo em que Bill Gates é o maior dos filantropos, combatendo a pobreza e a doença, e Rupert Murdoch é o maior dos ambientalistas, mobilizando centenas de milhões de pessoas por meio de seu império midiático.

O que é preciso acrescentar, indo além de Kant, é que existem grupos sociais que, por conta de não ocuparem um lugar determinado na ordem "privada" da hierarquia social, surgem como representantes diretos da universalidade: são o que Jacques Rancière chama de "parte de parte alguma" do corpo social. Toda proposta política de caráter genuinamente emancipador é gerada pelo curto-circuito entre a universalidade do uso público da razão e a universalidade da "parte de parte alguma". Esse já era o sonho comunista do jovem Marx - reunir a universalidade da filosofia com a universalidade do proletariado. Desde a Grécia Antiga, temos um nome para a intrusão dos excluídos no espaço sociopolítico: democracia.

A noção liberal predominante da democracia também trata dos excluídos, mas de modo radicalmente diverso: concentra o foco na sua inclusão como vozes minoritárias. Todas as posições devem ser ouvidas, todos os interesses levados em conta, os direitos humanos de todos precisam ser assegurados, todos os modos de vida, todas as culturas e todas as práticas respeitadas, e assim por diante. A obsessão dessa democracia é a proteção de todos os tipos de minorias: culturais, religiosas, sexuais etc. A fórmula da democracia, aqui, consiste na negociação paciente e no compromisso.

O que se perde nela é a universalidade corporificada nos excluídos. As novas medidas políticas de caráter emancipador não serão mais produzidas por um determinado agente social, mas por uma combinação explosiva de diversos agentes. Em contraste com a imagem clássica dos proletários que não têm "nada a perder além dos seus grilhões", o que nos une é o perigo de perdermos tudo. A ameaça é sermos reduzidos a um sujeito cartesiano abstrato e vazio, privado de todo o nosso conteúdo simbólico, com nossa base genética manipulada, vegetando num meio ambiente inabitável. Essa tríplice ameaça transforma-nos a todos em proletários -reduzidos a uma "subjetividade sem -substância", como define o Marx dos Grundrisse [esboços de crítica da economia política]. A figura da "parte de parte alguma" nos confronta com a verdade da nossa posição. E o desafio ético-político é nos reconhecermos nessa imagem.

Fonte: Piauí, n. 34, 2009.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Situação de Sítio

Ensaio de Iumna Maria Simon sobre a poesia de Claudia Roquette-Pinto - Situação de Sítio (Novos Estudos, 2009).

sábado, 12 de setembro de 2009

Brecht & Weill

Weill & Brecht - Die Dreigroschenoper (gravado em 1958) [mp3] - com Lotte Lenya

Ute Lemper sings Kurt Weill, vols. 1 & 2 (1988, 1993) [flac] ou aqui: vol. 1 e vol. 2 [mp3]

Anne Sofie von Otter - Speak Low: Songs by Kurt Weill (1995) [flac]

Erotische Gedichte (2006) [audiobook, em alemão] - textos eróticos de Bertolt Brecht lidos por Blixa Bargeld (o guitarrista de Nick Cave & The Bad Seeds e líder do Einstürzende Neubauten).

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Livros de Fanon

Livros (em inglês) de Frantz Fanon:

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Livros de e sobre Agamben

Livros (em inglês) de Giorgio Agamben:

Sobre Agamben:

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Sonhos do avesso

Sonhos do avesso
MARIA RITA KEHL
ESPECIAL PARA A FOLHA

Dizem que Karl Marx descobriu o inconsciente três décadas antes de Freud. Se a afirmação não é rigorosamente exata, não deixa de fazer sentido desde que Marx, no capítulo de "O Capital" sobre o fetiche da mercadoria, estabeleceu dois parâmetros conceituais imprescindíveis para explicar a transformação que o capitalismo produziu na subjetividade.
São eles os conceitos de fetichismo e alienação, ambos tributários da descoberta da mais-valia -ou do inconsciente, como queiram. A rigor, não há grande diferença entre o emprego dessas duas palavras na psicanálise e no materialismo histórico. Em Freud, o fetiche organiza a gestão perversa do desejo sexual e, de forma menos evidente, de todo o desejo humano; já a alienação não passa de efeito da divisão do sujeito, ou seja, da existência do inconsciente. Em Marx, o fetiche da mercadoria, fruto da expropriação alienada do trabalho, tem um papel decisivo na produção "inconsciente" da mais-valia. O sujeito das duas teorias é um só: aquele que sofre e se indaga sobre a origem inconsciente de seus sintomas é o mesmo que desconhece, por efeito dessa mesma inconsciência, que o poder encantatório das mercadorias é condição não de sua riqueza, mas de sua miséria material e espiritual.
Se a sociedade em que vivemos se diz "de mercado" é porque a mercadoria é o grande organizador do laço social.
Não seria necessário recorrer a Marx e Freud para defender o caráter político das formações do inconsciente. Bastaria citar a frase "o inconsciente é a política", proferida por Lacan, que convocou os psicanalistas a se empenharem por "alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época". Mas insisto em recorrer aos clássicos para lembrar aos lacanianos extremados que a verdade não nasceu por geração espontânea da cabeça de Lacan.

Crise do sujeito
Se Freud fundou a psicanálise ao vislumbrar, no horizonte de sua época, as razões da insatisfação histérica, é nossa vez de tentar escutar o que mudou desde então, à medida que a norma produtiva/repressiva foi sendo substituída pela norma do gozo e do consumo.
Alguns sintomas, na atualidade, têm se tornado mais frequentes e mais incômodos do que as formas consagradas das neuroses e das psicoses no século passado. Hoje as drogadições, os transtornos alimentares, os quadros delinquenciais e as depressões graves desafiam os analistas a repensar a subjetividade. Isso não implica necessariamente que as antigas estruturas clínicas tenham se tornado obsoletas.
O que encontramos hoje nos consultórios psicanalíticos é um novo sujeito? Ou são novas expressões sintomáticas que buscam responder ao velho conflito entre as pulsões e o supereu -este representante das interdições e das moções de gozo, no psiquismo? O sujeito contemporâneo está mais próximo do perverso, que sabe driblar a falta pelo uso do fetiche? Ou é ainda o neurótico comum que, em vez de tentar seguir à risca a norma repressiva, tenta obedecer a um mestre fetichista que lhe ordena a transgredir e gozar além da medida?
Por enquanto, tenho escutado, em média, neuróticos mais ou menos estruturados tentando corresponder à suposta normalidade vigente, a qual -esta sim- já não é mais a mesma nem do tempo de Freud, nem do de Lacan.
A "crise do sujeito", outra face da chamada "crise da referência paterna", corresponde, a meu ver, ao deslocamento e à pulverização das referências que sustentavam, até meados do século passado, a transmissão da lei. Não se trata da ausência da lei na atualidade, mas da fragilidade das formações imaginárias que davam sentido e consistência à interdição do incesto -a qual, desde Freud, é considerada condição universal de inclusão dos sujeitos na chamada vida civilizada, seja ela qual for.
Se o homem contemporâneo sofre do que [o psicanalista francês] Charles Melman chamou de falta de um centro de gravidade, é porque as referências tradicionais -Deus, pátria, família, trabalho, pai- pulverizaram-se em milhares de referências optativas, para uso privado do freguês.

Culpa e frustração
O "self-made man" dos primórdios do capitalismo deixou de ser o trabalhador esforçado e econômico para se tornar o gestor de seu próprio "perfil do consumidor" a partir de modelos em oferta no mercado. Cada um tem o direito e o dever de compor a seu gosto um campo próprio de referências, de estilo, de ideais. Aparentemente, não devemos mais nada ao pai e ao grupo social a que pertencemos, dos quais imaginamos prescindir para saber quem somos.
Este aparente apagamento da dívida simbólica não nos tornou menos culpados; ao contrário: hoje escutamos pessoas que se dizem culpadas de tudo. Não citarei, em hipótese alguma, falas dos que se analisam comigo: daí o caráter ligeiramente caricato dos exemplos que se seguem, como expressões genéricas da transformação que o mercado produziu nos discursos.
A antiga donzela angustiada com as manifestações involuntárias de sua sexualidade reprimida -lembrem-se de que Freud relacionou o tabu da virgindade e a moral sexual entre as causas do mal-estar, no início do século 20- hoje se sente culpada por não usufruir tanto do sexo, das drogas e do "rock and funk" quanto deveria. O obsessivo escrupuloso, acossado por fantasias perversas, agora se queixa de seu bom comportamento: queria ser um predador sem escrúpulos, eliminar os rivais, abusar sem pudor das mulheres.
As pessoas vivem culpadas por não conseguirem gozar tanto quanto lhes é exigido. Culpadas por não alcançar o sucesso e a popularidade instantâneos, por perderem tempo em sessões de análise -culpados por sofrer. O sofrimento não tem mais o prestígio que lhe conferia o cristianismo. Sofrer não redime a dívida; ao contrário, reduplica os juros.
Sem recurso à referência a autoridades repressivas que faziam obstáculo aos prazeres, as pessoas têm dificuldades em justificar seus sintomas. Não encontram a quem endereçar suas queixas ou apoiar seus ideais.
"Meus pais são amigos, meus professores são legais, ninguém me impõe ou me impede nada: eu sou um otário porque não consigo ser feliz". O sentimento de culpa, como escreve [o sociólogo francês Alain] Ehrenberg, tomou a forma de sentimento de insuficiência. Assim, a resposta à dor psíquica não é buscada pela via da palavra, mas pelo consumo abusivo dos psicofármacos que prometem adicionar a substância faltante ao psiquismo deficitário. O remédio age em lugar do sujeito, que não se vê responsável por seu desejo e por suas escolhas.
Não se concebe a vida como um percurso de risco que inclui altos e baixos, incertezas, acertos, dúvida, sorte, acaso. A vida é um empreendimento cujos resultados devem ser garantidos desde os primeiros anos -daí o surgimento de uma geração de crianças de agenda cheia de atividades preparatórias para a futura competição por uma vaga promissora no mercado de trabalho.
Não por acaso, essas mesmas crianças estarão mais predispostas à depressão na adolescência, esvaziadas de imaginação, de vida interior, de capacidade criativa. O universo amoroso ou familiar que substitui o espaço público como gerador de valores está totalmente atravessado pela linguagem da eficiência comercial. "Quem vai olhar para um modelo fora de linha como eu?" "Como promover a otimização de meus finais de semana?" "Fiz as contas: com o que gastei na análise de meu filho já poderia ter trocado de carro duas vezes" (nesse caso, o analista sente-se tentado a sugerir que, de fato, ficaria mais em conta trocar de filho).
Vale ainda mencionar o estranho silêncio, nos consultórios dos analistas, em torno do eterno mistério do desejo e da diferença sexual. A falta de objeto que caracteriza a atração erótica parece ter sido ofuscada pela onipresença de imagens sexuais nos outdoors, na televisão, nas lojas, nas revistas -por onde olhe, o sujeito se depara com o sexual desvelado que se oferece e o convida.
As fantasias sexuais são todas prêt-à-porter. Seria ok, se o suposto desvelamento do mistério não produzisse sintomas paradoxais. O tédio, em primeiro lugar, entre jovens que se esforçam desde cedo para dar mostras de grande eficiência e voracidade sexuais. As intervenções cirúrgicas no corpo, de consequências por vezes bizarras, em rapazes e moças que pensam que a imagem corporal perfeita seja a solução para o mistério que mobiliza o desejo.
A reificação do sujeito identificado como mais uma mercadoria se revela no medo generalizado de não agradar. O mistério do desejo persiste, assim como não deixa de existir o inconsciente: mas é como se suas manifestações não interrogassem mais os sujeitos.


MARIA RITA KEHL é psicanalista e ensaísta, autora de "O Tempo e o Cão" (ed. Boitempo).

Fonte: FSP, 06/09/2009

domingo, 6 de setembro de 2009

Arnold Schönberg - Noite Transfigurada

O poema sinfônico Verklärte Nacht (Noite Transfigurada), concluído em 1899, foi a primeira obra composta por Schönberg que ganhou algum reconhecimento de público e crítica. Baseado no poema homônimo de Richard Dehmel e escrito inicialmente para sexteto de cordas (dois violinos, duas violas e dois violoncellos), sofreu em 1917 readaptação para o formato da orquestra de cordas, sendo revisado pela última vez em 1943.

Apesar de, não sem estranhamento, ter agradado à crítica e constar até hoje como uma de suas obras mais "palatáveis", nele já se percebe o rigor estrutural e a expressividade tensa que será o traço distintivo do compositor de peças como Erwartung e Pierrot Lunaire.

Muito de tal impressão se deve ao fato de que, embora a peça seja tonal, trabalha também com ambiguidades harmônicas (ou seja, o mesmo evento musical pode ser interpretado pelo ouvido segundo funções harmônicas diferentes, dependendo do centro tonal a que é referido). Fator de composição este que, levado às últimas consequências, fará com que Schönberg repense todo o sistema tonal nas décadas seguintes.

Além disso a peça se constitui de cromatismos (desenvolvimento harmonico-melódico por semi-tons), tessitura contrapontística densa e cerrada, bem como o amplo uso da polimetria (concepção de frases baseadas em figuras rítmicas heterogêneas em relação à estrutura regular dos compassos).

Com isso, apesar de ser praticamente uma peça de estreia (op.4), ela já reelabora de maneira muito própria conquistas formais do romantismo tardio (quanto ao primeiro aspecto, Wagner, quanto aos outros dois, Brahms), explorando elementos da música ocidental que aguardavam desenvolvimento (coisa que se costuma atribuir apenas a sua música pós-tonal).

Abaixo, tradução do poema de Dehmel para o Inglês, acompanhada de links para a execução da obra pela Orquestra de Câmara Nacional da Moldávia, com regência de Cristian Florea.


Transfigured Night

Two people are walking through a bare, cold wood;
the moon keeps pace with them and draws their gaze.
The moon moves along above tall oak trees,
there is no wisp of cloud to obscure the radiance
to which the black, jagged tips reach up.

A woman's voice speaks:

"I am carrying a child, and not by you.
I am walking here with you in a state of sin.
I have offended grievously against myself.
I despaired of happiness,
and yet I still felt a grievous longing
for life's fullness, for a mother's joys
and duties; and so I sinned,
and so I yielded, shuddering, my sex
to the embrace of a stranger,
and even thought myself blessed.
Now life has taken its revenge,
and I have met you, met you."

She walks on, stumbling.
She looks up; the moon keeps pace.
Her dark gaze drowns in light.

A man's voice speaks:

"Do not let the child you have conceived
be a burden on your soul.
Look, how brightly the universe shines!
Splendour falls on everything around,
you are voyaging with me on a cold sea,
but there is the glow of an inner warmth
from you in me, from me in you.
That warmth will transfigure the stranger's child,
and you bear it me, begot by me.
You have transfused me with splendour,
you have made a child of me."

He puts an arm about her strong hips.
Their breath embraces in the air.
Two people walk on through the high, bright night.

(Tradução: Mary Whittall)


http://www.youtube.com/watch?v=D84sLB8tUMo

http://www.youtube.com/watch?v=SiFiKLdq1gI&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=DdIN703W5pY&feature=related

Da Monarquia à República


Emília Viotti da Costa
Da Senzala à Colônia (1966)
Da Monarquia à República: momentos decisivos (1977, 2ª ed. ampliada, 1979)
A Abolição (1982, 8ª ed. ampliada, 2008)

Livro de Emília Viotti da Costa - Da Monarquia à República [pdf, 4shared]

Há uma excelente entrevista de Emília Viotti no livro organizado por José Geraldo Vinci de Moraes e José Mário Rego, Conversas com Historiadores Brasileiros (Ed. 34, 2002).

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Schwarz sobre Lukács

Entrevista de Roberto Schwarz a Eva L. Corredor, realizada em 1994 e publicada originalmente no livro Lukács After Communism: Interviews with Contemporary Intellectuals (1997). [pdf, 4shared]