domingo, 28 de junho de 2009

Mensagens numa garrafa (II)

A liberdade como eles a entendem

As pessoas manipularam a tal ponto o conceito de liberdade, que ele acabou por se reduzir ao direito dos mais fortes e mais ricos de tirarem dos mais fracos e mais pobres o que estes ainda têm. As tentativas de modificar isso são encaradas como intromissões lamentáveis no campo do próprio individualismo, que, pela lógica dessa liberdade, dissolveu-se num vazio administrado. Mas o espírito objetivo da linguagem não se deixa enganar. O alemão e o inglês reservam a palavra “livre” (na acepção de “grátis”, N. da T.) para os bens e serviços que não custam nada. À parte a crítica da economia política, isso testemunha a falta de liberdade que a relação de troca, ela mesma, pressupõe; não há liberdade enquanto tudo tem um preço e, na sociedade reificada, as coisas isentas do mecanismo de preço só existem como rudimentos lastimáveis. Ante uma inspeção mais rigorosa, costuma-se constatar que também elas têm seu preço e constituem migalhas dadas juntamente com as mercadorias, ou, pelo menos, com a dominação: os parques tornam as prisões mais suportáveis para quem não está dentro delas. Entretanto, para as pessoas de temperamento livre, espontâneo, sereno e imperturbável, que da falta de liberdade extraem a liberdade como um privilégio, a linguagem reserva, prontinho, um nome apropriado: desaforo.

Theodor W. Adorno - "Mensagens numa garrafa" (Trad. Vera Ribeiro), FSP, 28/05/1996.

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