domingo, 1 de março de 2009

Entrevista com Paulo Arantes

Entrevista de Paulo Arantes à revista Trans/form/ação (2008); também em pdf.


De fato, as bases técnicas para a superação da pré-história da humanidade estão finalmente dadas, e, no entanto, esse limiar emancipatório brilha sob a luz negra de um atoleiro sem fim, o vasto aterro sanitário de homens e mulheres a um tempo descartados e "recapturados" por motivo de irrelevância econômica. Esse buraco de agulha para elefantes é a contradição terminal do nosso tempo: o reino da liberdade está enfim à vista e todavia iremos todos morrer na praia da mais crassa necessidade material, como se ainda engatinhássemos nos tempos da pedra lascada. A contradição deste último capítulo que não acaba de acabar - a liberação possível do fardo da exploração como condição do progresso tornou-se a rigor uma verdadeira expulsão, por assim dizer, na boca do guichê -, foi no entanto identificada por Marx desde a origem: a compulsão do capital a eliminar do processo de valorização econômica a fonte mesma de todo o valor, o trabalho vivo. Por paradoxal que possa parecer, o capital foge do trabalho (como relembrou recentemente John Holloway), que por seu turno também fugiria do capital se tivesse para onde ir, o que não é mais o caso, por motivo de expropriação originária e continuada. Como o seu fim é ele mesmo, acrescido de um mais valor, a produção material lhe parece um desvio dispensável, um estorvo a ser eliminado. Sendo, no entanto, um mecanismo cego e inconsciente (estamos na pré-história) de sucção e rejeição simultâneas, precisa condicionar o acesso à riqueza criada à posse de um bilhete de ingresso cujo valor de face tende a zero, em virtude daquela mesma contradição em processo. Hoje essa fuga assimétrica está assumindo proporções destrutivas inéditas. A sociedade do trabalho se decompõe sob o comando do capital, quando poderia estar sendo superada com os meios que este mesmo capital agenciou ao longo de sua história cruenta. (Paulo Arantes)

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