Em nossa casa, essa imensa casa de
subúrbio, uma caserna de aluguel rodeada por ruínas medievais indestrutíveis, foi
hoje proclamado, nessa manhã fria e nebulosa de inverno, o seguinte manifesto:
A todos os meus co-locatários,
Eu possuo cinco espingardas de brinquedo.
Elas estão penduradas na minha caixa, uma em cada gancho. A primeira me pertence.
Quem quiser pode se candidatar às outras. Caso se apresentem mais do que quatro,
os restantes devem trazer as suas próprias espingardas, e depositá-las na minha
caixa. Pois deve haver unidade, sem unidade não iremos para frente. Aliás, possuo
apenas espingardas que são inúteis para qualquer outra utilização: o mecanismo está
arruinado, a rolha estragada, somente os gatilhos ainda funcionam. Portanto não
será difícil conseguir outras espingardas neste estado. Na verdade, por agora ficarei
contente também com pessoas sem espingardas. Nós, que temos espingardas, colocaremos
no momento oportuno os sem espingardas no meio do combate. É uma tática que teve
êxito nas primeiras lutas dos fazendeiros norte-americanos contra os índios. Por
que não deve funcionar também aqui, já que as condições são semelhantes? A longo
prazo, portanto, podemos prescindir de espingardas, e mesmo estas cinco não são
absolutamente imprescindíveis. Mas já que elas estão disponíveis, também devem ser
utilizadas. Se não quiserem utilizar as quatro restantes, podem deixá-las lá. Neste
caso, somente eu, como líder, levarei uma espingarda. Mas como não deveríamos ter
um líder, também vou quebrar minha espingarda ou deixá-la de lado.
Este foi o primeiro chamado. Na nossa
casa ninguém tem tempo nem vontade de ler manifestos ou de refletir sobre eles.
Os pequenos papéis logo nadavam na água do esgoto que se inicia no sótão, é alimentada
por todos os corredores, desce pelas escadas e luta com a contracorrente de
água que jorra do andar de baixo. Mas depois de uma semana chegou um segundo chamado:
Inquilinos,
Até agora ninguém se apresentou. Estive
sempre em casa, a não ser no tempo em que tinha que cuidar do meu sustento, e mesmo
durante a minha ausência a porta do meu quarto ficou sempre aberta, com uma folha
em cima de minha mesa, na qual quem quisesse poderia se inscrever. Ninguém o
fez.
Franz Kafka. Manuscrito sem
título, de 1917; faz parte das narrativas do espólio (Nachlaß). Citado por Adorno em “Anotações sobre Kafka”.